‘Conhecimento é um dos principais pilares quando se fala em energia nuclear’, diz física Silvia Velasques
Sapra Landauer entrevistou pesquisadora e autora de livros para celebrar o Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico, comemorado em 08 de Julho.
Quando o assunto é energia nuclear, o conhecimento é um dos principais pilares para combater a falta de informação e evitar o medo. A afirmação é da física, professora e pesquisadora Silvia Velasques, uma das cientistas mais importantes na pesquisa sobre energia nuclear. Coautora do livro Aplicações da Energia Nuclear na Saúde, Silvia escreveu a obra quando percebeu que havia pouca bibliografia sobre o assunto. Atualmente, está finalizando os livros Aplicações da energia nuclear em pesquisas e Materiais radioativos, aplicações e legislação.
“Nossa proposta é que o primeiro livro seja usado no ensino médio, abordando os termos, definições e aplicações da energia nuclear da maneira mais clara possível, sem cometer erros técnicos”, afirmou Silvia.
Interessada e atuante na área de educação, acompanhou as discussões e a promulgação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Na área de Ciências da Natureza (Física, Química e Biologia), o assunto da energia nuclear foi inserido no sistema educacional pela primeira vez em 2017. A BNCC foi aprovada em sua terceira versão.
Na primeira versão, no 9º ano do ensino fundamental, o primeiro tópico dos professores sobre energia nuclear era bomba atômica. Eu me revoltei e me reuni com um grupo de professores da SBBN para formular um documento explicando porquê este tópico deveria ser retirado da grade. E tiraram – a versão atual não tem bomba atômica. Foi ali que comecei a me envolver mais com as abordagens sobre energia nuclear para estudantes”, contou Silvia, que escreveu o livro junto com a professora da UFMG Regina Pinto de Carvalho.
A ideia nasceu após a promulgação da BNCC, quando Silvia fez uma pesquisa extensa em bibliotecas escolares de universidades e livrarias e não encontrou nenhum material didático em português que pudesse ser utilizado pelos professores sobre o tema da energia nuclear. Por isso, lançou e dedicou o livro Aplicações da Energia Nuclear na Saúde a estudantes e professores do ensino médio.
A publicação em língua portuguesa ocorreu por meio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e foi traduzida para o inglês com o suporte da International Atomic Energy Agency (IAEA), com apoio da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Sociedade SBBN e SBF. O download gratuito do livro está disponível nos sites da SBPC e da SBF.
Em setembro de 2023, Silvia promoverá um curso de 40 horas no Instituto de Engenharia Nuclear, com a temática de Biossegurança e Radioproteção em laboratórios de pesquisas, com público focal em pesquisadores e estudantes de pós-graduação.
Em entrevista ao blog da Sapra Landauer, Silvia relembrou sua trajetória pessoal, profissional e falou sobre os desafios de trabalhar com energia nuclear no Brasil.
Trajetória
Valente, Silvia Velasques sempre enfrentou as dificuldades com cabeça erguida. “Minha vida sempre foi um abacaxi, mas sempre consegui descascá-lo”, brincou ela, que nunca teve medo dos espinhos – e nem das críticas. “Se você ficar 100% do tempo só batendo palmas, você não avança. A crítica leva ao aperfeiçoamento”, afirmou.
Nascida em 1954 em Jaguarão (RS), município fronteiriço com o Uruguai, teve a vida orientada pela educação, sendo sempre a melhor aluna da escola. Desde os 14 anos, dava aula de matemática e vendia enciclopédias para seus colegas. Aos 15, pediu ao seu pai para mudar-se para Porto Alegre, já com o intuito de estudar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
“A profissão foi minha liberdade”, afirmou Silvia. Filha de um funcionário do alto escalão do Banco do Brasil, foi a primeira pessoa da família a ter um diploma de graduação: formou-se em Matemática pela UFRGS e, aos 21 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se graduou em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Na academia, é doutora em Biociências Nucleares pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e se especializou em Controle de Fontes de Radiação pela Argonne National Laboratory, na Chicago University e em Dosimetria Interna na ICTP em Trieste, na Itália.
Especialização em Energia Nuclear
De 1981 e 1986, Silvia trabalhou na iniciativa privada e se especializou em treinamentos para aplicações da energia nuclear na área de radiografia industrial. Em 1986, ingressou como pesquisadora na (CNEN), onde se aposentou em 2013. Na instituição, coordenou a área de licenciamentos de instalações industriais e fiscalização de instalações médicas, industriais e de pesquisas. Na área da energia nuclear, participou da elaboração e revisão de regulamentações técnicas e normas da CNEN e ANVISA.
Foi na CNEN que Silvia teve contato com alguns dos maiores nomes do universo da física e da Energia Nuclear nacional e internacional. Mentor de Silvia, José de Júlio Rozental (1933-2010) foi um dos físicos mais importantes da história da Comissão Nacional de Energia Nuclear, renomado pelo trabalho de descontaminação das áreas atingidas pelo acidente com o césio-137 em Goiânia (GO), em 1987.
Grande amigo de Sérgio Mascarenhas, José de Júlio Rozental fez parte da criação da Sapra Landauer, como bem lembrou Silvia. “A Sapra ocupa um lugar na minha história porque eu estava lá, na sala onde Sérgio Mascarenhas e Júlio Rozental falaram sobre o embrião da empresa”.
Grande defensora da interdisciplinaridade e do acesso à informação, Silvia lembra de Sérgio Mascarenhas com carinho e admiração. “Ele foi um pioneiro na academia, abriu muitos caminhos para quem veio depois. Ele quebrou essa ideia de ‘ou você é cientista ou é empreendedor”, comentou.
Os desafios da área nuclear no Brasil
Quando questionada sobre os desafios em relação à atuação dos pesquisadores e profissionais que trabalham com energia nuclear, Silvia afirmou que o Brasil não tem problemas do ponto de vista operacional, de quem trabalha e de quem fiscaliza as operações da energia nuclear.
“O Brasil é um dos países mais respeitados na área de segurança radiológica e nuclear do mundo. Tem recursos, bons profissionais que participam de muitos eventos na Agência Internacional de Energia Atômica, então estão sempre muito atualizados”, afirma.
Para ela, a maior dificuldade é a falta de informação e de conhecimento sobre o assunto, já que as pessoas em geral não têm ideia das aplicações da energia nuclear no dia a dia. Nesse sentido, a pesquisadora defende que o conhecimento é um dos principais pilares para combater a falta de informação e evitar o medo.
Na área da energia nuclear, Silvia reforça que o treinamento é fundamental para garantir a segurança. “As pessoas mudam, as tecnologias mudam e os sistemas de controle se adaptam, portanto, é tudo muito dinâmico. O treinamento também deve ser”, ressalta.
A importância das Sociedades Científicas no Brasil
Durante 9 anos, de 2013 a 2022, Silvia atuou como Presidente da Sociedade Brasileira de Biociências Nucleares (SBBN). “Quando ficamos sem um centavo para pagar os alunos, manter os laboratórios e montar novos, fazer congressos, entre outras coisas, percebemos que precisávamos correr atrás de dinheiro. Neste momento, as sociedades científicas se uniram com esta bandeira. Foi uma época em que tive o prazer e o orgulho de trabalhar muito”, contou a pesquisadora.
Dados da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC) mostram que a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) perderam aproximadamente 51% da verba para financiar pesquisas nos últimos dez anos.
“Quando a ciência brasileira passou por dificuldades nos últimos anos, principalmente de financiamento, as sociedades científicas se envolveram muito na liberação de recursos, buscando o aumento das bolsas. As sociedades, embora os perfis dos associados e os estatutos não mudem, se adaptam às necessidades de cada momento”, afirmou Silvia que, entre 2015 e 2016, trabalhou em prol da aprovação da lei do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Em 2023, as sociedades se juntaram para pressionar pela liberação de um projeto de lei que abre crédito suplementar para o orçamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para financiar projetos, fazendo com que o recurso do fundo suba para R$ 9,6 bilhões/ano.
Atualmente, Silvia faz parte de seis sociedades nacionais – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Sociedade Brasileira de Física (SBF), Sociedade Brasileira de Biociências Nucleares (SBBN), Sociedade Brasileira de Proteção Radiológica (SBPR), Associação Brasileira de Física Médica (ABFM) e Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), e duas internacionais – American Association for Advance of Sciences (AAAS) e European Association of Nuclear Medicine (EANM).
Para a pesquisadora, a SBPC é importante, pois tem uma visão ampla sobre as possibilidades das ciências no Brasil, mas também está inteirada nos problemas da sociedade brasileira, participando das políticas públicas utilizando a ciência.
“É importante que as sociedades científicas participem da SBPC para discutir os problemas brasileiros, as prioridades, as políticas públicas com uma visão crítica e de conjunto, sabendo como podem colaborar. Tive o prazer e o orgulho de levar a SBBN para dentro da SBPC, e lá dentro participar de um momento sofrido, mas importante, onde os cientistas dispuseram de grande parte de seu tempo para trabalhar em um assunto que não era de seus campos de atuação”, relembrou Silvia sobre as lutas para obter financiamento para as pesquisas.