Nelson Studart: o físico-professor
Conheça como a paixão pelo conhecimento e pelo ensino está transformando vidas e construindo um futuro melhor para a educação científica
Em comemoração ao Dia da Física, uma data que reconhece as contribuições essenciais dos físicos para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil, a Sapra Landauer convidou o físico Nelson Studart, professor e coordenador acadêmico da Illum – Escola de Ciências do Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação, para uma entrevista sobre os avanços da física e a formação de novas gerações de cientistas.
A data de 19/05 foi escolhida para homenagear o annus mirabilis de 1905, ano em que Albert Einstein produziu quatro artigos com extremo valor científico, o tornando o cientista mais famoso do século passado.
O professor Nelson Studart é um exemplo de dedicação e paixão pela física e pelo ensino. Com uma formação sólida, que inclui bacharelado, mestrado e doutorado em física pela Universidade de São Paulo (USP), além de um pós-doutorado em Harvard, Studart construiu uma carreira marcada pela combinação de pesquisa e educação.
Desde muito jovem, Studart demonstrou uma vocação para o ensino. Aos 19 anos, enquanto ainda cursava física, começou a dar aulas de matemática. Essa experiência precoce marcou sua carreira e o colocou na educação, um aspecto que ele nunca abandonou ao longo de sua carreira. Mesmo durante seu pós-doutorado em Harvard, onde se dedicou exclusivamente à pesquisa por dois anos, manteve o espírito educador.
“Eu nunca parei de dar aula na minha vida. Essa é a característica da minha carreira, ao lado da minha vida como pesquisador, eu sempre me preocupei com o ensino. Sempre! Posso dizer que tive dois grande interesse na minha vida, além dessa parte de ensino, também tive interesse na parte de história da ciência”, afirma o físico-professor.
No campo da pesquisa, Nelson Studart se destacou em diversas áreas da física. Ele trabalhou inicialmente com teoria de muitos corpos, antes de se aventurar na matéria condensada. Um dos pontos altos de sua carreira de pesquisador foi sua participação no projeto do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Nanotecnologia de Semicondutores, focando em aplicações práticas como comunicação óptica.
Além de sua carreira em pesquisa e ensino, Studart nutriu um profundo interesse pela história da ciência. Durante seu tempo em Harvard, teve a oportunidade de conhecer e ser influenciado por historiadores renomados, o que o inspirou a integrar a história da física em seus cursos. Esse interesse se refletiu em várias de suas publicações e na produção de edições temáticas para a revista brasileira de física.
Dedicação a formação de professores
Entre seus orgulhos está a criação e desenvolvimento de programas voltados para a formação de professores de ciências exatas. Ele foi pioneiro na criação do primeiro mestrado profissional em ensino de ciências exatas da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Além disso, desempenhou um papel crucial na revitalização de revistas acadêmicas, como a “Revista Brasileira de Ensino de Física” e a “Física na Escola”, contribuindo para a melhoria da qualidade do ensino de física no Brasil.
“Passei 9 anos na RBEF. Na época, os colegas achavam estranho um físico escrevendo sobre ensino. Diziam que não tinham tempo a perder e que eu não ganharia pontos com a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], não seria reconhecido como pesquisador”, conta o pesquisador. Ele completa, rindo: “Foi um esforço: eu enterrei alguns papers enquanto estava lá, mas criei a revista Física na Escola em 2000, uma publicação importante para os professores do ensino médio. Essa criação é meu orgulho!”.
Se, de um lado, Studart enfrentava o pouco-caso dos colegas, de outro encontrava uma certa intolerância por parte dos pedagogos e educadores. “Eu me aproximei da comunidade de ensino, mas sempre brigava com eles. Eram muito ortodoxos com essa parte de pesquisa, no dia a dia usavam pouca física, tinha muita pesquisa e muito Piaget, mas pouco conteúdo. Eu sou um homem conteudista, eu gosto de conteúdo e estou convencido de que é necessário ter conteúdo para ensinar”, disse.
Nelson Studart sempre acreditou, de fato, na importância do conteúdo no processo educativo. Inspirado por figuras como Paulo Freire, Studart defendeu que um bom professor deve ter domínio profundo de sua área de conhecimento e ser capaz de transmitir isso de forma que promova uma aprendizagem significativa.
“Lendo “Cartas de Paulo Freire aos professores”, encontrei uma ideia que me acompanha até hoje. Ninguém pode ensinar o que não sabe. É preciso ter a humildade de reconhecer que saber o que não se sabe é o primeiro passo para ser um bom professor”, afirma. “Professor tem que aprender conteúdo, tem que ter um aprendizado significativo.”
A partir dessas premissas, Studart tem se dedicado à pesquisa translacional em educação, buscando aplicar resultados de pesquisa acadêmica diretamente na sala de aula. Interessou-se particularmente por métodos inovadores como a gamificação, utilizando jogos de RPG [Role-playing game, ou jogo narrativo] para aumentar a motivação e o engajamento dos estudantes. Segundo ele, essa abordagem mostrou-se especialmente eficaz para introduzir conceitos complexos de física de maneira mais acessível e envolvente.
Criação do Ilum
Em 2013, Nelson Studart se aposentou da UFSCar, mas sua carreira estava longe de terminar. Logo em seguida, aceitou um convite para ser professor visitante na Universidade Federal do ABC (UFABC), onde mais tarde se tornaria professor titular visitante. Durante seu tempo na UFABC, ele continuou a trabalhar com formação de professores e desenvolvimento de currículos inovadores.
Uma das iniciativas mais recentes e significativas de Nelson Studart é sua participação na criação da Ilum – Escola da Ciência, uma instituição vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação voltada para a formação de cientistas com uma visão integrada e interdisciplinar da ciência.
Localizada em Campinas, a Ilum faz parte do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), que também abriga o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), responsável pela operação do Sirius, que é a maior e mais complexa infraestrutura de pesquisa já construída no País, e abriga a nova fonte de luz síncrotron brasileira.
“Chamamos de escola pensando em Atenas”, conta. “A Ilum é curso para formação de cientistas para trabalhar a ciências nas áreas de ciências da vida, ciências da matéria, ciências de dados e humanidades. Nosso propósito é formar cientistas precocemente.”
A escola oferece um curso de bacharelado em ciência e tecnologia que se destaca por sua abordagem inovadora. O curso é projetado para formar cientistas de forma precoce, permitindo que os alunos entrem diretamente em programas de doutorado ou se especializem em áreas de seu interesse.
A formação inclui disciplinas de ciências da vida, ciências da matéria, ciência de dados e humanidades, refletindo a crença de Studart na importância de uma educação científica holística e ética. “Trabalhamos na integração das ciências, sem deixar de lado as humanidades. A cultura também é importante na Ilum. Os estudantes têm aulas de teatro, fotografia e dança, por exemplo”.
Impacto e Futuro
A visão de Nelson Studart para a Ilum é ambiciosa. Ele acredita na formação de cientistas altamente qualificados e eticamente responsáveis, prontos para enfrentar os desafios do futuro. A escola já tem mostrado resultados promissores, com uma alta demanda de candidatos e uma baixa taxa de evasão, evidenciando a qualidade e o impacto do programa.
Um dos diferenciais da escola é o processo de contratação dos professores, que segue um modelo também inovador do ponto de vista pedagógico. Os professores selecionados são cientistas que não tenham experiência prévia na carreira universitária; são pós-doutores e doutores que fazem pesquisas, mas cujo principal foco é aplicar seu conhecimento para o ensino de excelência.
Outro aspecto inovador da Ilum é a curricularização da iniciação científica. O aluno faz seis disciplinas em iniciação à pesquisa e culmina sua formação com um trabalho que será apresentado e proposto ao CNPEM.
A Física e a Área Médica
Studart avalia que uma das áreas de maior destaque da física, atualmente, é o desenvolvimento de sensores quânticos, capazes de detectar ondas eletromagnéticas extremamente fracas no corpo humano e que passam despercebidas pelos sensores tradicionais. Segundo ele, esses avanços prometem revolucionar a física médica e a ciência da saúde, proporcionando melhorias significativas no diagnóstico e na prevenção de doenças.
Com seu olhar voltado para a educação e a formação de novos profissionais, ele destaca a importância de aumentar o número de pesquisadores dedicados à física e à sua aplicação em campos emergentes como a física médica.
“Apesar dos avanços, ainda há muito a ser feito para integrar profundamente a física com as necessidades práticas e sociais, especialmente na formação básica que prepara os futuros cientistas para enfrentar os desafios do mundo moderno”, conclui o físico-professor.